Portfólio

pinturas — (ex)culturas — geometrias

Geometrias - construções com madeira de extração recuperada.

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Pinturas elétricas : fluxos telúricos sobre madeira recuperada.

Série de pinturas comissionadas para o Espace Krajcberg em Paris, França. A partir da residência artística La Panza, na Bourgogne, a cerca de 1 hora de Paris, foram produzidos sobre lençois antigos de linho, pinturas/cortinas/divisórias. Papéis com múltiplas irradiações pictóricas inspiradas no resgate da sacralidade da árvore chamada carvalho. A tradição Druída no território ainda reverbera sua força e encantamento. Evocando um trajeto de contemplação e cura que culminou na exposição Desormais, traduzindo livremente,: De agora em diante.

#Pedrinha pequena é pedra grande da nossa sensibilidade. Quem for até o ateliê de Rodrigo Bueno, chamado Mata Adentro, pode ter a certeza que vai embarcar numa viagem ritual, num jardim encantado, bem no meio da urbana e pretensamente racional São Paulo. Por lá será recebido por esse xamã/artista (e vice-versa), que com sua fala mansa mas certeira, as palavras bem escolhidas, os olhos bondosos, os bons pensamentos, te fará um bem imenso à alma. Pois, afinal, o que é a arte senão um bem comum; esse valor tão republicano e tantas vezes esquecido ou menosprezado. Mata Adentro é um lugar cheio de histórias, registros e potencialidades — e, sendo assim, trata de arte. Uma arte que diz respeito à experiência, à imersão, à beleza visual. Proveniente de uma família de antiquários — essa arte e ciência milenares que têm algo de testemunha, na perspectiva da filósofa Hanna Arendt, daqueles que ficam para lembrar —, o certo é que Rodrigo se reinventou, trazendo na bagagem esse universo realizado a partir de tantos pedaços de histórias. Histórias subalternizadas e muitas vezes apagadas. Rodrigo me disse que ele é um “catador de rua”. Com seu carro e sua caçamba ele coleta arte. Cotidianamente. Coleta o que a cidade despreza, dejeta, nessa sociedade de consumo rápido. Já o artista, devolve tudo fazendo sua arte. Nela, camadas de sentidos se acomodam e se intensificam. Por isso, Mata Adentro é como uma grande instalação, feita desses registros de vida. Um galho retorcido, uma porta desprezada, um batente que perdeu sua nobreza, uma pedrinha, muitas pedrinhas, uma fonte, um recorte de jornal perdido no tempo … tudo junto e combinado nessa grande criação em estado puro. Com o sentimento em estado maior de introspecção. O atelier também ressoa as histórias do próprio artista. Na década de 1990, Rodrigo se mudou para Nova Iorque e fez mestrado em Artes Visuais na School of Visual Arts. Durante sua estadia por lá, aproveitou para realizar estudos de religião comparada e se interessou pela cultura asiática. Não era em Nova York que sua arte de fato residia. Tanto que, antes de acabar o mestrado, Rodrigo passou uma temporada na Índia e se mudou para São Francisco. Seu mundo girou. Seu eixo também. Nesse contexto, ele retomou suas pesquisas e iniciou um mestrado em Arte e Consciência na JFK University. Seus estudos direcionados ao universo holístico, ao autoconhecimento, fizeram com que voltasse a reflexão para as potencialidades da arte como cura, como matriz crítica e afirmação identitária. Em 2000, Rodrigo retornou ao Brasil. Trouxe tudo na bagagem. O resultado é essa arte que desperta a valorização da nossa história, das culturas e nosso país, do seu povo, e, muito especialmente, e de forma comovedora, das pontes que unem a humanidade como parte da natureza. Pois o artista pensa a ecologia de forma ampla, como filosofia, como uma cosmologia artística. No seu universo estético estão presentes também as suas muitas ancestralidades, com ênfase nas tradições indígenas e negras. Os caboclos — como Rodrigo sempre diz. Foi nesse momento, então, que Rodrigo criou e abriu seu ateliê Mata Adentro, espaço que agrega, além do estúdio e da casa do artista, as formas de expressão desse grande criador no inesperado, bem como um convite aberto ao encontro. Rapidamente a casa/ateliê torna-se um mocambo, uma residência artística, um verdadeiro polo de reflexão e de experimentação de artes integradas. Um laboratório de criatividade onde elementos como a música, a palavra, a comida, o corpo e a espiritualidade, direcionados também às suas pinturas e esculturas, transformam-se em obra, em performance, em retiro. Como canta o bardo, “o inesperado faz uma surpresa”. É nesse lugar de encontros periféricos, entre jovens e figuras ancestrais de todas as artes, que esse artista, imenso, e de enorme humanidade, pode ser encontrado. É no atelier de Rodrigo Bueno que podem ser descobertas essas composições mistas de resíduos da cidade: papel, madeira, plantas e pinturas, sempre em diálogo e justapostas na base da harmonia. Sim, pois imersas nesse cipoal, encontram-se as telas e pinturas do artista. Não ocupando um lugar separado. Mas integradas nessa grande tela. Mata Adentro foi, assim, o nome escolhido por Rodrigo para expandir a autoria de um único artista em ações e processos coletivos, e ambientes colaborativos. Tudo por lá é individual pois coletivo. Do coletivo. Pedrinha miúda. Pois é esse ambiente mágico que agora vemos reproduzido e relido na exposição “Pedrinha miúda”, que abre no dia 26 de agosto na Galeria Marília Razuk. Rodrigo em seu processo criativo, pede licença a ancestralidade do lugar. Itahy, do Tupi, torna-se Itaim, traduzido como “pedra miúda”. Pedra miúda é também um termo da umbanda, conforme ecoa o ponto, o canto ritual: “pedrinha miudinha de Aruanda êh...”. No ponto cantado em homenagem a linha dos Boiadeiros, o termo se contrapõe ao lajedo grande; um logradouro extenso. Pedrinha miúda é pois, e a essas alturas, um domínio público. Um encontro atravessado por interpretações diversas, mas congruentes. “Lagedo tão grande, mas é a pedrinha é que alumeia.” Seu sentido tem a ver, igualmente, com simplicidade. No entanto, a simplicidade abre espaço para a matéria que ilumina. É, dessa maneira, uma forma essencial e sintética, mas que se revela por meio das partes que constituem o todo. Bibi, por sua vez, foi o apelido do sinhozinho que loteou o local que os nativos chamavam de Itaim, região de pedras e riachos. Hoje nome de rua, João Cachoeira, filho de escravizados, tinha fama de contador de causos, o que se encaixa na encruza das míticas do guardião da porteira, fiel do retiro das águas. Nossa pedrinha ressoa, pois, e de alguma maneira redime, um tempo violento, que vai sendo embelezado e limpo com o trabalho contínuo das águas. O que é, portanto, e finalmente, “Pedrinha miúda”? É uma experiência sensível em forma de exposição. Tudo separado e junto. Tudo ao mesmo tempo e tudo a seu tempo. Bambus, galhos entrelaçados, cordas, raízes e pinturas penduradas; todos suspensos. A exposição no Itaim nasce simultaneamente, com a ativação do “Território Emboaçava” (lugar de passagem em Tupi), no Instituto Çarê, que na busca das águas primordiais do terreno, derruba muros e abre o chão para o plantio de cura do solo. Celebra o encontro e o acolhimento das vozes ancestrais com as comunidades do entorno, em uma grande instalação ramificada nomeada “Corre um rio em mim”. Nas duas exposições, Rodrigo propõe um conjunto de ações fluídas. Um rio aéreo, feito do diálogo entre a água e a terra, mas também com o fogo e o ar. Um diálogo com a história e o passado. O passado do presente. De uma cabaça sai um som que evoca o cantarolar da “pedra pequena”. O som da água propicia, da mesma forma, um apaziguamento, um tempo suspenso e que escapa ao ritmo preciso conduzido pelos relógios e calendários. O incenso faz também sua arte e convida à contemplação. À introspeção. Rodrigo revoluciona, pois, o espaço delimitado de uma galeria. Ele dinamiza o território restrito do cubo branco e o lota de memória telúrica com essa que é uma grande instalação de obras que parecem flutuar no ar. Entre as fissuras do piso e paredes, um constante brotar. Reconta o ìtan (conto em Yorubá) da parceria de Nanã e Oxalá, onde o barro, a sabedoria anciã, dá forma ao que somos, e o sopro do criador dá a vida. Saem da terra para ganhar nova vida no ar. O efeito é totalmente diferente daquele que se tem ao acompanhar uma exposição regular. Não há como ficar de fora do espetáculo que Rodrigo prepara para nós. E sendo assim, aqui, o externo é interno, e o interno vira externo. Rompem-se, pois, as bordas e fronteiras, que viram porosas e flexíveis. O resultado, é uma sensação forte de pertencimento, como se a exposição realizasse sua própria magia interna, em cada um de nós. Afinal, o tempo, e como escreveu Tomas Mann, é esse mago, esse pretérito que se faz adjetivo. Artigo indefinido. “Pedrinha miúda” é a nova exposição de Rodrigo Bueno, mas é muito mais. É um ritual de entrada nos mundos feitos do cuidado, da subjetividade e de uma estética que pensa no conjunto mas acolhe os detalhes. Pelos detalhes. Rodrigo é uma pessoa de afeto. E como tal, não permite que qualquer um de nós deixe o espaço dessa exposição sem se sentir profundamente afetado. Afetado pelos universos sensíveis de Rodrigo, que agora são nossos também. Pois neles somos convidados a entrar e fazer morada própria. Como o artista sempre diz, que viva a caboclada! Lilia Schwarcz

Mostra individual Pedrinha Miúda, Galeria Marília Razuk, 2023. Pintura óleo sobre compensados e moldura de peróba recuperada de telhado da Lapa. Texto Lilia Schwarcz